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Automobilismo

Vítima do quê?

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Não é pequena a torcida por um clima de guerra na Red Bull. Longe de fiscalizar os anseios alheios, compreendo a questão: o RB19 é um foguete, a concorrência não vai acompanhar e teremos uma temporada decidida com antecedência. Sim, pois dificilmente alguém baterá Max Verstappen – o tri é questão de tempo.

Por isso mesmo a vontade de ver o circo pegar fogo no time taurino e Sergio Pérez andar bem o suficiente para brigar pelo título. É o único com carro para bater o bicampeão mundial. Dessa torcida, compreensível e ancorada no desejo da disputa acirrada, nascem as maluquices típicas do fã mais bitolado. Ouvi nesses dias que a Red Bull não vai deixar Pérez disputar o título e que Adrian Newey cansou da arrogância de Verstappen e irá trabalhar pelo título do mexicano – duas sandices contraditórias ditas pela mesma torcida.

É lugar-comum tratar segundos pilotos como coitados, perdedores ou vítimas de inumeráveis maldades. Pergunto: vítima do quê? Tratar marmanjo de barba e idade suficiente para assumir responsabilidades como pobres coitados é inacreditável. Os caras fazem o que gostam, são bem pagos – na imensa maioria dos casos – e levam uma vida razoavelmente boa. Oh, quanta maldade.

Penso no caso de Rubens Barrichello. O público brasileiro tratou Rubinho como vítima das perfídias da Ferrari, oh, nosso brasileirinho contra esse mundo grande e o alemão desprezível. Na cabeça dos pachecos, Michael Schumacher vencia por trapacear e pedir ao time italiano que o companheiro tirasse o pé para ele ganhar. Santa paciência. Barrichello correu por seis temporadas na Ferrari, teve o melhor carro do grid na maioria delas, venceu nove vezes no time de Maranello e foi muito bem pago por isso. Pena dele por qual motivo, afinal?

Ah, teve Áustria 2002, a insensível Ferrari pediu para ele dar a vitória a Schumacher sem necessidade alguma. A dívida foi paga em Indianápolis na mesma temporada, quando Michael fez a mesma coisa e deu a vitória a Barrichello na linha de chegada. O resto é lenda urbana e choro por nada. Tantos pilotos daquele período dariam a vida pelo carro vermelho do cavalinho rampante que Rubens guiava.

Aqui no Brasil, Schumacher foi odiado por anos. Ainda hoje é, na verdade. Motivo: fazer bem o seu trabalho e ser melhor que o companheiro de equipe. Senna também era melhor que Berger na McLaren e nem por isso os austríacos odiaram o melhor piloto da época.

Pérez é o herói de gibi da vez, um mexicaninho contra esse mundo muito grande. Tal empolgação, ressaltei em artigo passado, está ancorada na sua vitória em Jeddah. Checo teve méritos no triunfo, é claro, mas ele só foi possível graças aos problemas enfrentados por Verstappen no qualy e na própria corrida. Caso contrário, Max sairia da Arábia Saudita com mais uma vitória no bolso e mais líder do que nunca.

Fala-se tanto na Red Bull cortas as asinhas de Pérez e não permitir um duelo franco com Verstappen. Pergunto: por qual razão? Se Sergio é tão bom quanto Max, por que não deixar os dois se matarem na pista e proporcionar uma disputa que seria inesquecível para os fãs da F1? Ah, mas o antipático holandês tem privilégios e é mimado pelo time taurino, dizem os gênios do automobilismo. É tão ridículo que nem merece maiores considerações.

A Red Bull quase perdeu um campeonato ganho em 2010 por não usar as tais ordens de equipe. Deixou Sebastian Vettel e Mark Webber livres para buscarem o título – deu Vettel e o resto é história. Com o desequilíbrio técnico evidente na dupla atual, faz todo sentido usar agora, não é mesmo? Cada uma.

Enfim, cada um acredita no que quiser. Eu amo automobilismo, não reality show. Essa parafernália hollywoodiana trazida pelo Drive To Survive não me comove em absolutamente nada. Pilotos são pagos para correr e fazer o que gostam, dedicaram suas vidas desde a infância para isso e foram contemplados com uma sorte que milhões não tiveram. Aqueles que chegam ao título mundial e conseguem repetir a façanha são mais sortudas ainda, viram lendas do esporte a motor. Mas os seus companheiros guiam carros igualmente bons e ganham uma corrida aqui, uma prova acolá. Nada têm do que reclamar.

Piloto de corrida é vítima de acidente quando sofre um. O resto é balela.

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