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Automobilismo

A incrível dificuldade em reconhecer os méritos de Michael Schumacher

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Não seria diferente com aquele que é considerado por muitos – incluo-me na lista – o maior da história. Sim, estou falando de Michael Schumacher.

 

A Fórmula 1 é cercada de mitos e histórias de procedência duvidosa. Sem sombra de dúvidas, os sentimentos acerca de determinado piloto ou de determinada escuderia formam a base das lendas (muito) urbanas da categoria.  Não seria diferente com aquele que é considerado por muitos – incluo-me na lista – o maior da história. Sim, estou falando de Michael Schumacher.

Quem faz o simples exercício de ir em alguma postagem sobre Schumacher em qualquer página ou perfil automobilístico nas redes sociais encontra o suprassumo da ignorância sobre o heptacampeão. ‘’Dick Vigarista’’, ‘’correu contra ninguém’’, ‘’só ganhou por causa do carro’’ e ‘’trapaceiro’’ são os impropérios mais comuns, isso sem falar de outras mentiras absurdas como a fantasiosa irregularidade do carro da Benetton de 1994 – guiado por Schumacher em seu primeiro título mundial.

Não são poucos os fãs brasileiros da F1 que repetem tais bobagens. Nunca vi tamanha dificuldade em reconhecer o talento e o tamanho absurdos de Schumacher. Para os mesmos, Ayrton Senna é uma espécie de Zeus no panteão da categoria, o piloto que guiava com o braço sem precisar do melhor carro e o único ídolo possível.

Senna virou uma entidade para além das pistas. O enredo é conhecido: o Brasil de sua época era um país de corruptos engravatados, inflação galopante e com desigualdades sociais gigantescas. Só o eterno tricampeão dava um pouco de alegria aos nossos compatriotas, lavando a alma nacional nas manhãs de domingo. Como não amar um esportista bem sucedido que levantava a bandeira do país a cada triunfo?

Acontece que a sua morte precoce abriu uma ferida jamais cicatrizada. E o brasileiro que viu Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e Ayrton Senna simplesmente não aceitava outra bandeira no alto do pódio, outro piloto vencendo e continuando a trajetória da F1. E adivinhem quem foi bicampeão logo após a tragédia de San Marino? Michael Schumacher.

Além disso, os anos dourados de Schumacher na Ferrari aconteceram na companhia de outro brasileiro. Rubens Barrichello foi o seu colega na lendária escuderia italiana, e o GP da Áustria de 2002 é a única recordação da memória brasileira acerca dessa parceria. O ‘’hoje não, hoje sim!’’ de Cléber Machado ainda soa nos ouvidos do público, naquela que é uma das maiores vergonhas da Ferrari. Daqui nasce outro mito: Schumacher só conseguiu os cinco títulos em sequência porque Jean Todt, Ross Brawn e cia não deixavam Rubens ultrapassá-lo e desafiá-lo de igual para igual.

Tudo isso se resume a puro sentimentalismo equivocado. Não é difícil ler comentários do tipo ‘’Schumacher nunca será melhor que Senna’’ em posts relacionados ao alemão. Quando alguém diz isso, é evidente que o coração fala mais alto que a razão. Eu também sou apaixonado pela trajetória linda de Senna na F1 e exalto as inúmeras conquistas, mas a César o que é de César. A Schumacher o que é de Schumacher.

Schumacher chegou na F1 de maneira inesperada. Era um rapaz pobre, sem condições de por si só entrar na categoria mais badalada – e endinheirada – do automobilismo mundial. Estreou pela Jordan, conseguiu um desempenho muito acima do esperado e rumou para a Benetton. Na escuderia italiana, foi bicampeão mundial enfrentando a todo-poderosa Williams, que tinha o melhor carro da época. E antes que alguém me pergunte, Schumacher não trapaceou na batida que resultou no título de 1994 – Damon Hill bateu primeiro em seu sidepod, incidente de corrida e nada mais. Aliás, aquele campeonato estaria decidido a seu favor bem antes do fatídico GP da Austrália se não fosse a mãozinha da FIA em suspender-lhe de duas corridas e puni-lo ridiculamente em outras duas.

Bicampeão e consagrado como o melhor de sua geração, ele assume o maior desafio da carreira: reerguer a tradicionalíssima Ferrari. A escuderia italiana não acertava a mão em nenhum de seus projetos e ficava longe da disputa pelo título que desde 1979 não parava em Maranello. Schumacher batalhou por cinco temporadas até conseguir ser campeão, em uma disputa épica com Mika Häkkinen, então bicampeão pela McLaren. Até o GP do Japão de 2000, seu talento e sua capacidade foram colocados em dúvida. Mas ele seguiu batalhando firme até o consagrador tricampeonato.

Após o título de 2000, Schumacher pilotou sem o peso de devolver os dias de glória à Ferrari. Os quatro campeonatos seguintes atestaram o talento absurdo daquele outrora menino que não tinha a menor perspectiva de chegar na F1, do alemão que foi o primeiro de seu país a ser campeão, do primeiro piloto da história a bater a marca de títulos mundiais de Juan Manuel Fangio. Os números falam por si: 7 títulos, 91 vitórias, 155 pódios e 68 poles positions. Michael Schumacher é um gigante da F1.

Cada um destaca o aspecto de determinada personalidade que for conveniente. Mas essa birra tupiniquim contra Michael Schumacher é um porre. A imagem do alemão frio, introspectivo e antipático em nada condiz com a realidade: quem o viu de perto fala de um homem alegre, sorridente e que aproveitava cada momento. Nada melhor para provar isso que a icônica imagem na qual Schumacher aparece vestido de noiva a bailar com o companheiro Rubens Barrichello.

A F1 é isso, meus caros. Seus ídolos e momentos grandiosos fazem da categoria algo além de uma corrida de carros. Nós, brasileiros, temos os nossos heróis. Não há a menor necessidade de desmerecer os outros. Isso vale para Michael Schumacher, Lewis Hamilton e qualquer multicampeão de outra pátria. Mas o caso do alemão é emblemático. Nunca vi tanta relutância em reconhecer o óbvio.

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