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Fórmula 1

Como explicar o inexplicável?

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Eu acompanho Fórmula 1 desde criança. Desde sempre o automobilismo é um dos meus esportes favoritos. Tenho vagas lembranças da era Schumacher e os anos seguintes de grande alternância de forças na categoria. Torcer com todas as dimensões desse verbo, só mesmo por Sebastian Vettel. Já disse isso em outros textos, e meus caros leitores sabem bem.

Não gosto de entrar muito em detalhes da minha vida, odeio exposições desnecessárias, mas um traço da minha personalidade precisa ser explanado para a utilidade deste texto: não sou do tipo que se irrita fácil. Na verdade, tenho antipatia a quem tem pressa em se ofender por qualquer bobagem. O mundo é duro com todo mundo e ninguém está a salvo de dificuldades.

Colocados esses dois pontos, vamos ao que interessa. Helmut Marko tentou dar explicações ao desnível existente entre os dois pilotos da Red Bull. Para ele, Sergio Pérez não é tão focado quanto Max Verstappen ou o já citado Sebastian Vettel. O motivo dessa concentração não tão apurada? Checo é sul-americano – segundo Marko, é bom que fique claro.

Você pode me chamar de qualquer coisa ou dar motivos mais diversos para o meu repúdio ao que foi dito por Helmut Marko, menos eu ser hater da Red Bull ou birrento. Vettel foi meu ídolo de infância e um dos pilotos a mostrar para mim o quanto esse esporte é belo. Isso precisa ficar claro de uma vez por todas, pois qualquer opinião que se tenha acerca de como as coisas andam na F1 é interpretada como predileção por determinado piloto ou equipe tal.

Marko falou tanta bobagem que errou ao dizer que Pérez é sul-americano. Uma aula de geografia seria o suficiente para saber que o México fica na América do Norte. Eu não sei como alguém chega a ser consultor de uma das maiores equipes de F1 da história e protagoniza uma gafe dessas. É deprimente.

Se ele quis dizer ‘’latino’’ ao invés de ‘’sul-americano’’, a fala deixa de ser mero erro e passa para o campo asqueroso do preconceito. Sim, é isso mesmo, pois não há como qualificar a atribuição de uma característica ruim à origem de determinado grupo ou indivíduo. Isso é preconceito aqui, no México, na Holanda ou em Marte. Ponto.

Lamento muito que Helmut Marko continue na Red Bull depois disso. Não se pode tolerar o intolerável e aceitar um mero pedido de desculpas como solução mágica para tudo. Além da fala detestável, vale lembrar que o seu cargo no time taurino é mera figuração, não tem a mesma importância que outras figurinhas mais tarimbadas da equipe. Manter alguém como Marko depois dessa diarreia verbal será ruim para a imagem da RBR e acaba por respingar em Max Verstappen, Christian Horner e cia. Como a escuderia já é uma das mais odiadas do grid por motivos fúteis, imaginem agora que o seu consultor deu um motivo real. Prato cheio para os haters de plantão.

Além da incultura revelada pelo desconhecimento da América do Sul enquanto continente, o sr. Marko ainda nos brindou com essa pérola de que Verstappen e Vettel são mais focados pela origem europeia, ao contrário do latino Perez. Pois bem, a primeira década da F1 foi dominada por Juan Manuel Fangio, um argentino, um dos maiores de todos os tempos. O saudoso pentacampeão guiava como poucos, não cometia erros e fazia da pilotagem uma arte. Recomendo aos meus leitores – e ao sr. Marko também – o documentário Fangio: o Rei das Pistas, disponível na Netflix. Por muito tempo, ele foi o maior campeão da história e os seus cinco títulos eram tidos como insuperáveis.

Pois bem, o nosso país tem uma história rica na F1. Dois tricampeões e um bicampeão, além de outros que já venceram na categoria. Ayrton Senna ganhou fama e glória justamente por ser focado ao extremo e buscar a vitória a qualquer custo. Nelson Piquet foi um dos pilotos mais cerebrais que a F1 já viu, e se não vencia pela velocidade pura, compensava na inteligência e na leitura de corrida. Emerson Fittipaldi poderia ter vencido mais se continuasse na McLaren, mas enveredou pelo caminho da independência ao ter sua própria equipe – o que não diminuiu sua genialidade e importância para o automobilismo brasileiro.

Enfim, o que não falta é piloto latino-americano com legado invejável na F1. Aliás, chega a ser cômico que Marko tenha citado Vettel como exemplo de foco: ele perdeu os campeonatos de 2017 e 2018 por erros bobos que minaram a sua confiança, além de ter sido amplamente superado por Charles Leclerc em duelo interno na Ferrari quando a mente já estava na Lua.

Helmut Marko poderia ter ficado calado. Agora tenta explicar o inexplicável. A quem ainda tiver a coragem de defendê-lo, boa sorte. Eu não embarco nessa barca furada de jeito nenhum.

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