Entre em contato conosco

Fórmula 1

Segunda Bandeirada #16: A sabedoria de desistir

Publicado:

em

As coletivas recentes de Lewis Hamilton – principalmente após a quebra na Austrália – foram recheadas de desânimo. Não é para menos: ele sabe que guiará mais um carro ruim sem margem para milagres. Mesmo um piloto excepcional e absurdamente talentoso com ele é incapaz de fazer algo de outro mundo com uma máquina errática como o W15. Como manter o ânimo ao correr sem chances de vitória depois de tanto ganhar?

Não é o primeiro caso na Fórmula 1. Todos sabem que Ayrton Senna estava farto de comer poeira da Williams em 1992 e 1993, chegando ao ponto de se oferecer para guiar de graça um dos carros azuis com o lendário patrocínio da Camel. Vale então um elogio para Hamilton: ele nunca implorou por um lugar na melhor equipe do grid. Mesmo com o natural desgosto de deixar o pelotão da frente, enfrentar críticas injustiças acerca da sua capacidade e ser superado pelo companheiro em 2022.

E o que se vê nessa temporada? Um carro ruim e com potencial de ser até pior que o antecessor. Se na estreia no Grande Prêmio do Bahrein a velocidade nas retas era o principal calcanhar de Aquiles do W15, a etapa seguinte em Jeddah mostrou que a performance em curvas de baixa também é desastrosa. Hamilton conseguiu P7 e P9 nessas corridas, e o combo de notícias ruins nesse começo de temporada nada animador foi completado com o DNF na Austrália – o motor Mercedes deixou o britânico na mão.

Fosse algo circunstancial, tudo bem. Não é sempre que uma equipe acerta. Mas o marasmo começou com a introdução do atual regulamento em 2022. Além disso, estamos falando da Mercedes, o time que dominou magistralmente a era híbrida com sete títulos de pilotos e oito de construtores. Como o mesmo corpo técnico altamente qualificado acertou praticamente tudo até dois anos e começou a errar constantemente a partir de então? Ora, o W13 introduziu o engenhoso zeropod com a expectativa de colocar um segundo na concorrência. Deu tudo errado. O W14 foi uma atualização piorada e a equipe alemã continuou pouco competitiva. É realmente lamentável.

Pode-se dar um desconto para a Mercedes pelo teto orçamentário. Em outros tempos, Brackley seria inundada com milhões de dólares e alguma solução viável seria encontrada. Basta recordar a temporada de 2018, quando as flechas prateadas eram máquinas ariscas e viraram o jogo contra uma Ferrari aparentemente superior. Porém, as regras do jogo valem para todos. A Mercedes não pode utilizar isso como justificativa.

Pois bem, voltemos a Sir Lewis Hamilton. Fico a imaginar a enrascada que ele está metido. Como diabos exigir dele uma pilotagem no limite para, na melhor das hipóteses, alcançar um pódio? Seria necessária muita sorte também, pois a Ferrari aparenta ser a segunda força da F1 com certa folga – e não é somente pela vitória de Carlos Sainz na Austrália. Vale mesmo arriscar tudo e andar com a faca no pescoço a troco de nada? Um pódio para ele é praticamente nada.

Eis a sua presente situação: ele está de malas prontas para a Ferrari, tem uma temporada praticamente perdida e não tem mais nada a provar. Qualquer piloto jogaria a tolha – e não está errado. Schumacher voltou da aposentadoria para liderar o retorno da Mercedes à F1 e pagar uma dívida de gratidão ao time que o colocou na categoria. Não obteve bons resultados, mas ajudou a estabelecer as bases da hegemonia mais duradoura da história. Ninguém mais ninguém menos que Toto Wolff reconheceu a importância do alemão no processo enfrentado pela equipe até chegar ao topo.

Não é o caso de Lewis Hamilton. A Mercedes não voltará tão cedo aos dias dourados e ele tem pouco tempo a perder para vencer novamente. Se recolocar as flechas prateadas no topo é um desafio sedutor, nada diferente seria tentar o mesmo na Ferrari. Quem não se arrepia com aquele carro vermelho e o cavalinho rampante – símbolo de carro por excelência – não é verdadeiramente apaixonado por automobilismo. Chegará o momento do heptacampeão guiar disputando coisas grandes. Até lá, não vale gastar vela boa com santo ruim.

A sabedoria de desistir é tudo o que nos restou, diria Charles Bukowski. O poeta sinônimo do realismo sujo tem total razão. Hamilton não tem mais grandes expectativas na Mercedes.

 

Foto: Mercedes AMG Petronas F1

Compartilhe esta publicação
Clique para Comentar

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.