Fórmula 1
Segunda Bandeirada #36: Explicar o óbvio
O lado bom de atrasar o Segunda Bandeirada é poder abarcar fatos e desdobramentos que acontecem depois da corrida e encaixar cada coisa no quadro geral. Além, é claro, de escrever uma coluna só. Não sou Nelson Piquet, mas se me perguntarem atrás do que estou correndo, a resposta é óbvia: atrás da grana – que nem é a realidade por aqui.
Pois bem, vamos falar do Grande Prêmio do Qatar. Corrida sem graça, longe de proporcionar as fortes emoções de outrora – não do circuito, mas da temporada mesmo. A vitória de Max Verstappen confirmou o que eu disse durante este ano: ele é quem faz a diferença. Longe de ter um carro dominante como nas últimas duas temporadas, o tetracampeão levou o título e venceu algumas provas com méritos quase exclusivos.
O entrevero entre ele e George Russell repercutiu muito desde as primeiras horas da manhã. A causa primordial foi o qualy no sábado, quando o britânico se queixou de uma fechada do holandês na preparação para a sua tentativa de volta rápida. Os comissários chamaram ambos para explicações posteriores e decidiram punir Verstappen com a perda da pole position – que não adiantou muita coisa, pois ele tomou a dianteira na primeira curva da corrida.
Estes são os fatos. Ainda que o público já tenha conhecimento, é bom separar o joio do trigo e não confundir fato com opinião.
Ressalva feita, passamos para os desdobramentos. Verstappen trucidou Russell na coletiva após a vitória, obtendo a resposta hoje. As falas estão aí no X e vocês já decoraram o que cada um falou, então vai a minha visão dos fatos: Max não esqueceu o buraco no seu RB19 na Sprint em Baku do ano passado feito por George. Além da possível choradeira do britânico para os comissários – possível por eu não ter acompanhado nada e não poder afirmar algo como verdade do Evangelho. Junte as duas coisas para um piloto autêntico, vulcânico e que não costuma levar desaforo para casa – Esteban Ocon e Lewis Hamilton sabem muito bem como é. Só poderia dar nisso mesmo.
Por falar em ambos, a próxima etapa marcará a despedida de suas respectivas equipes. Lewis deixará a Mercedes, o time que o trouxe a peso de ouro em 2013 e estabeleceu com ele a parceria mais exitosa da história da Fórmula 1. Guiando as flechas prateadas, Hamilton conquistou seis títulos mundiais, 84 vitórias, 153 pódios e 78 poles positions. Não há muito o que acrescentar: a história foi feita e ele se tornou o maior de todos os tempos – ainda coloco Schumacher acima, mas opinião é algo particular. O destino do heptacampeão é a Ferrari, lar dos grandes pilotos que buscam a maior glória possível: conquistar um título no carro vermelho do cavalinho rampante.
Já Ocon nem vai correr em Abu Dhabi por questões contratuais – ele estará na Haas em 2025. É uma saída melancólica por inúmeros motivos, mas quem acompanha a F1 pode ter uma noção do porquê: Ocon é descrito como sujeito intragável e péssimo companheiro de equipe. A Alpine ainda fez o favor de contratar Pierre Gasly – seu desafeto desde os tempos de kart. Só poderia dar nisso. Mesmo que não tenha demonstrado nível para alçar voos maiores, Esteban sai como responsável pela maior glória do time francês na F1: a vitória no GP da Hungria de 2021.
Volto ao que aconteceu no domingo. Algo que me chamou atenção foi a punição severa para Lando Norris, que infringiu uma bandeira amarela dupla e recebeu um stop and go – a pior possível antes da desclassificação da prova. Punir Norris faz sentido, mas a sanção escolhida é absurda e ridícula. O regulamento é claro ao falar em desrespeito a uma bandeira amarela, ainda mais a dupla. Porém, em qual parte há a punição ipsis litteris a ser aplicada ao piloto que a comete? Além do mais, Norris obteve qual vantagem ao transgredir essa regra – como Hamilton ao queimar a largada e perder posições? É simplesmente bizarro.
Explicar o óbvio é necessário ao falar de F1, mas não apenas nesse caso. Quando se duvida de um grande campeão, a diferença entre fato e opinião, a assertividade ou não sobre sanções ridículas… As coisas andam assim na categoria que tem o desprazer de aturar alguém como Ben Sulayem, mas convenhamos: quem se surpreende? Isso é a F1 em seu estado puro – infelizmente.