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Fórmula 1

Segunda Bandeirada #11: Não existe herói e vilão na Fórmula 1

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Alguns cacoetes mentais de certos fãs brasileiros da Fórmula 1 são absurdamente irritantes. Eu já falei de vários em textos pretéritos. Esses chavões irritam qualquer amante do esporte a motor que tenha mais de dois neurônios em bom estado. Um deles – o mais insuportável de todos – diz respeito à criação de vilões e heróis na categoria. Sério, isso dá nos nervos.

Tornar vilão ou herói qualquer piloto justifica as análises e opiniões mais absurdas possíveis. Os primeiros estão errados a qualquer custo e em qualquer situação. Os outros detém a razão sempre, independente do que façam. É um porre. E o brasileiro adora novelizar tudo. Imagine então uma disputa esportiva. Aí vira o puro teatralismo a 300 km/h.

Vou exemplificar melhor apenas citando dois nomes: Ayrton Senna e Michael Schumacher. O afegão médio atribui todas as virtudes possíveis ao primeiro e maldades infinitas ao segundo. E, o que é mais engraçado, citam alguns fatos de ambas as carreiras para justificar tais construções de imagens – sem se dar conta de que eles revelam justamente o contrário do que se quer propagar como verdade do Evangelho. Pois vamos analisar tais acontecimentos.

No caso de Senna, ele é pintado pelos fãs mais ardorosos como o piloto que venceria em qualquer carro, o único limpo e aquele que peitou a politicagem da FIA e pagou caro por isso. Longe de mim ter qualquer antipatia ao tricampeão, também sou fã dele, mas acima de tudo sou jornalista e tenho o dever de apontar os fatos como eles são. Essa imagem reverberada pelos sennistas simplesmente não existe.

Para começo de conversa, ninguém vence na F1 sem ter carro bom. Senna ganhou seus três títulos mundiais com o melhor carro em tais temporadas. Se ele fosse mágico como se diz, por que não ganhou com a McLaren de 1992 e 1993? Por um único motivo: um piloto extraordinário como ele não é capaz de fazer milagre sem uma máquina decente. Ele venceu cinco corridas em 1993, feito nada desprezível, mas nada podia fazer na briga pelo título.

Quanto aos fatos seguintes, os sennistas amam citar Suzuka 1989. Pois bem, ele não foi roubado naquela temporada e o título não seria seu. Ora, o regulamento proibia expressamente que qualquer piloto voltasse à corrida com ajuda externa, bem como cortar caminho no traçado. Senna fez as duas coisas após a batida com Prost – o francês foi culpado pelo incidente. A desclassificação foi justíssima. Além disso, ele abandonou a prova seguinte na Austrália, o que o alijaria de qualquer chance de ser campeão. Não houve qualquer injustiça. No ano seguinte, os rivais históricos eram postulantes ao título e bateram novamente, mas, dessa vez, Senna foi o culpado. Seus admiradores mais fanáticos falam em troco do ano anterior, ignorando totalmente que a batida em 1990 colocou a vida dos dois em sério risco. Foi um ato no mínimo imprudente. Bater para ser campeão é válido? Para os sennistas, sim – ao menos quando o ídolo assim o faz.

Tudo isso muda quando o assunto é Michael Schumacher. Os que acham lindo o incidente de Suzuka 1990 são os mesmos que gritam indignados por Adelaide 1994 e Jerez 1997 – Schumacher bateu em Damon Hill e Jacques Villeneuve nas duas ocasiões em disputas por título. O alemão virou o Dick Vigarista, trapaceiro nato e desonesto. Não só: pelo fatídico Grande Prêmio da Áustria de 2002, surgiu o conto de que ele só vencia por ter supostos privilégios na Ferrari e Rubens Barrichello ser obrigado a tirar o pé. Eis o vilão que o brasileiro médio ama odiar – certos comentários acerca do seu estado de saúde dão ânsia de vômito.

Sobre Jerez, não há muito o que acrescentar: foi uma manobra completamente antidesportiva – o próprio Schumacher reconheceu isso. Daí para a decisão de 1994 tem uma grande distância. O incidente em si não foi provocado apenas pelo alemão, pois Hill tentou uma ultrapassagem tardia com o seu rival ainda na frente. Ainda mais em um ponto nada recomendável para tal. Além disso, o britânico só chegou com chances de título após a FIA desclassificar Schumacher de duas provas e vetar sua participação em outras duas utilizando argumentos bem questionáveis. Caso isso não acontecesse, ele seria campeão bem antes do GP da Austrália.

Os haters gostam de dizer que Schumacher corria contra ninguém e tinha Barrichelo para entregar vitórias. Que eu saiba, ele correu com Senna, Prost, Mansell e Piquet no começo da carreira. Se ganhou sete títulos em disputas com pilotos menos talentosos, deve-se mais ao seu próprio talento absurdo que o demérito alheio. Sobre Barrichello, Áustria 2002 foi a exceção e não a regra – Schumacher deu de bandeja a vitória no GP dos Estados Unidos daquele mesmo ano ao brasileiro. As pessoas não gostam dele por pura antipatia passional motivada por bobagens – até mesmo mentiras. É inútil tentar argumentar.

Atualmente, os mesmos tentam pintar a rivalidade Hamilton vs Verstappen nos mesmos moldes mocinho e bandido. É besteira. Todos querem vencer na F1. Todos os multicampeões já se valeram de manobras bem questionáveis. Enfim, todos eles são mais do que simples categorias criadas passionalmente. Não existe vilão e herói na categoria. Existem seres humanos querendo vencer.

 

Foto: Reprodução/ Gphirek/ Presse Sports/Boutroux

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