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Automobilismo

Brincando de correr

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Poucos campeonatos serão lembrados pela facilidade com que foram ganhos quanto esse de 2023. Max Verstappen corre contra ele próprio, pois não há o menor fio de esperança para a concorrência. A vitória em Barcelona com 23s de vantagem para o segundo colocado exemplifica bem a tônica da atual temporada. Não tem para ninguém.

Vocês que gostam dos meus textos e acompanham as minhas colunas sabem que eu transpareço uma certa chatice ao não achar novidade nas coisas que acontecem na Fórmula 1. Quase sempre eu puxo um exemplo distante ou mais próximo para lembrar a todos do museu de grandes novidades que essa categoria é. Dificilmente algo me causa grande surpresa.

No caso da facilidade encontrada por Verstappen, lembro de outros exemplos. Hamilton nas temporadas de 2019 e 2020, Vettel em 2011 e 2013, Schumacher em 1995, 2002 e 2004, enfim. Ambos pilotos extraordinários e grandes campeões que contavam com carros hegemônicos nas mãos. Fizeram o que se espera dos gênios do esporte a motor em tais condições. No caso do holandês da Red Bull, a situação é parecida, mas com um grau superlativo na coisa: não se espera nenhum outro resultado de Verstappen que não seja a vitória – bem como não se espera da concorrência que ela consiga desbancar o bicampeão.

A confiança na vitória é tão grande que Verstappen se dá ao luxo de largar de pneus médios enquanto os pilotos mais próximos largaram de macios. Pneu menos aderente na largada é uma desvantagem, mas quando se tem um foguete em mãos, até isso vira detalhe secundário. Verstappen largou bem, chegou a ficar atrás de Carlos Sainz no começo primeira curva, mas soube atrasar bem a freada e sair na frente do espanhol ferrarista. Ele poderia não ter assumido tal risco, mas piloto fominha é assim mesmo: tirar o pé é coisa de quem não busca a perfeição o tempo inteiro.

No mais, Verstappen venceu com um pé nas costas, pois nada nem ninguém foi capaz de ameaçar o seu triunfo. O que dizer dos demais? A Mercedes mostra uma elogiável evolução, colocou seus dois pilotos no pódio, mas ainda vai comer muita poeira da equipe taurina. A Aston Martin teve um dia para esquecer, mas isso só ocorreu graças ao desempenho pífio de Alonso, que teve o assoalho do carro danificado no qualy. A Ferrari não parece ter carro para acompanhar os demais e o show de horrores nas estratégias continua – pedra cantada por mim.

Como disse em outra ocasião, todos são coadjuvantes da estrela maior do espetáculo. Verstappen alcançou a quadragésima vitória e está a uma de empatar em números de triunfos com Ayrton Senna. Que os sennistas e leigos no automobilismo em geral farão um chororô dos diabos com isso, não há a menor dúvida. O inatacável Senna não pode ser comparado ao mimado birrento que só ganha com ajuda e trapaça, dizem – como se alguém tivesse feito isso.

A F1 é uma categoria feita por grandes histórias, conquistas inesquecíveis e, acima de tudo, por seres humanos. Como tal, não é a perfeição, pois os seus protagonistas também não são. Verstappen é um sujeito discreto, não gosta do lado show business da coisa e quer fazer o que ama: correr. Muitos insistem em não compreender isso, e na idiotice de achar que automobilismo é concurso de miss simpatia adolescente, jogam pedras no holandês. O cara só quer correr, não deve nada a ninguém e é o melhor no seu esporte. Que crime há nisso?

Senna virou Deus após a sua morte precoce, não se pode sequer colocar outro piloto acima dele que a Santa Igreja da Sexta Marcha parte para o linchamento virtual. Que se danem, disse e continuo dizendo. Ele não era perfeito, jogou sujo contra Martin Brundle na F3 inglesa e contra Prost em Suzuka 1990. Em ambas as ocasiões, ele fez o que as focas adestradas atribuem como especialidade de Verstappen: jogou o carro em seus oponentes para conseguir o que queria e quase provocou um acidente grave. Mas não, o inatacável Senna jamais faria isso. Os acólitos do credo sennista nunca vão admitir.

Verstappen passará Senna em número de vitórias, será tricampeão e provavelmente conquistará mais títulos que o brasileiro. Se alcançar tais feitos, será maior e melhor que ele. Ponto. A não ser que alguém encontre a fórmula secreta para superar a Red Bull e pare a toada vitoriosa do holandês. Enquanto isso não acontecer, ele continuará brincando de correr.

 

 

 

                                                                    Foto: Reprodução/ Autoracing

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